Todas as memórias que tenho da minha infância compreendem minha bisa, a quem carinhosamente chamava de vovó Lau. Ela era uma figura presente, uma matrona rígida e carinhosa ao mesmo tempo que tinha um senso de humor imenso mesmo que muitas vezes a vida tenha sido amarga com ela - e foi-.
Eu amava vê-la puta reclamando que nesse mundo "as pessoas de hoje" perderam o respeito. Que as mulheres estavam sem vergonha e que os jovens viraram preguiçosos que não forram a própria cama. Vovó Lau tinha quase cem anos, viu e viveu muita coisa, perdeu filhos, marido e ela foi ficando, ficando... Na última década de existência ela vivia feliz na sua casinha com jardim e gatos na vila rural de Igarassu, embora a convivência com seu filho alcoólatra Ronaldo tenha sido desgastante ( e coitado porque alcoolismo é uma doença, ele é vitima dela ) apesar de tudo isso ela se mostrava uma pessoa feliz. Amava que a gente a visitasse e na volta sempre dizia do terraço:
Cuidado na estrada! Vão com Deus e que Deus abençoe.
É assim que me lembro de Dona Iraldina Lopes de Melo. Em algum momento, não sei ao certo quando ela contraiu herpes zoster e aí começa o inicio do fim de vovó. Em maio de 2019 ela por conta da idade avançada ( nasceu em 06/09/1926) foi morar com a filha, minha avó Ana. A princípio temporariamente mas ela não melhorou e o que era para ser uma fase virou algo permanente e depois disso vovó Lau foi caminhando as passos largos para uma progressiva piora.
Para um idoso, ser retirado de sua própria casa é uma sentença de morte, a verdade é que Vovó Lau começou a morrer no momento em que tiraram ela de lá. Aos poucos ela foi perdendo suas forças, mesmo após se recuperar da doença aquela senhorinha fininha de 34 kg que andava para cima e para baixo passou a andar de andador e com o tempo evoluindo para cadeira de rodas, onde permaneceu até o fim da vida.
Não deve ter sido fácil para ela que toda vida foi independente ter que depender de todos para tudo, eu no lugar dela preferia morrer e acho que de certa forma ela também queria isso. Cada vez mais fraca, eu sentia que vovó Lau estava partindo então, passei a vê-la sempre que tinha oportunidade pois a ideia que eu tinha era que a qualquer momento ela iria embora.
03 de Agosto: Um Baque. Vovó teve um AVC e foi levada às pressas para o hospital. Confesso que achei que ela não iria suportar. Primeiro atendida num hospital particular, o Esperança e depois transferida para o Hospital da Restauração. Fui visitá-la no dia 04, uma quarta. Me segurei para não chorar naquele lugar inóspito cheio de pessoas tão graves quanto ela pelos corredores, no chão, ela teve sorte de ter um leito e eu sou grato por isso. Com uma voz muito fraca ela pedia para não deixar ela morrer ali. Morrer naquele lugar de tanta dor e sofrimento seria um castigo que ela não merecia ter. Eu tinha tanta certeza que vovó Lau ia embora naquela quarta que eu tirei foto e fiz vídeo para deixar o registro dela ainda viva. Quando teve alta no dia seguinte me senti culpado por isso.
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