MENTE INQUIETA

Mente inquieta

Esse blog existe desde março 2009 (o domínio antigo era jayetros.blogspot) e como estamos em 2021 isso significa que ele já tem 12 anos. 12 anos! Eu já fui muitas pessoas aqui, já quis ser muitas pessoas e ás vezes me pego lendo as postagens de um menino de 20 anos cheio de sonhos e traço um paralelo da pessoa que hoje me tornei e fico perguntando a mim mesmo o que o eu daquela época diria para o eu de hoje.

Bem, eu sou o Jay e atualmente tenho 33 anos. Sou fisioterapeuta formado e uma pessoa naturalmente inquieta, questionadora e barraqueira quando tem que ser. Nasci sob o signo de leão e talvez venha daí o meu ser temperamental e dramático. No futuro quando for mudar o layout pela milésima vez talvez essa descrição já seja outra. Num resumo bastante sucinto é isso.

sexta-feira, 20 de agosto de 2021

Adeus, Vovó #RIP 17/08/2021


Todas as memórias que tenho da minha infância compreendem minha bisa, a quem carinhosamente chamava de vovó Lau. Ela era uma figura presente, uma matrona rígida e carinhosa ao mesmo tempo que tinha um senso de humor imenso mesmo que muitas vezes a vida tenha sido amarga com ela - e foi-. 

Eu amava vê-la puta reclamando que nesse mundo "as pessoas de hoje" perderam o respeito. Que as mulheres estavam sem vergonha e que os jovens viraram preguiçosos que não forram a própria cama. Vovó Lau tinha quase cem anos, viu e viveu muita coisa, perdeu filhos, marido e ela foi ficando, ficando... Na última década de existência ela vivia feliz na sua casinha com jardim e gatos na vila rural de Igarassu, embora a convivência com seu filho alcoólatra Ronaldo tenha sido desgastante ( e coitado porque alcoolismo é uma doença, ele é vitima dela ) apesar de tudo isso ela se mostrava uma pessoa feliz. Amava que a gente a visitasse e na volta sempre dizia do terraço: 

Cuidado na estrada! Vão com Deus e que Deus abençoe. 

É assim que me lembro de Dona Iraldina Lopes de Melo. Em algum momento, não sei ao certo quando ela contraiu herpes zoster e aí começa o inicio do fim de vovó. Em maio de 2019 ela por conta da idade avançada ( nasceu em 06/09/1926) foi morar com a filha, minha avó Ana. A princípio temporariamente mas ela não melhorou e o que era para ser uma fase virou algo permanente e depois disso vovó Lau foi caminhando as passos largos para uma progressiva piora. 

Para um idoso, ser retirado de sua própria casa é uma sentença de morte, a verdade é que Vovó Lau começou a morrer no momento em que tiraram ela de lá.  Aos poucos ela foi perdendo suas forças, mesmo após se recuperar da doença aquela senhorinha fininha de 34 kg que andava para cima e para baixo passou a andar de andador e com o tempo evoluindo para cadeira de rodas, onde permaneceu até o fim da vida. 

Não deve ter sido fácil para ela que toda vida foi independente ter que depender de todos para tudo, eu no lugar dela preferia morrer e acho que de certa forma ela também queria isso. Cada vez mais fraca, eu sentia que vovó Lau estava partindo então, passei a vê-la sempre que tinha oportunidade pois a ideia que eu tinha era que a qualquer momento ela iria embora. 

03 de Agosto:   Um Baque. Vovó teve um AVC e foi levada às pressas para o hospital. Confesso que achei que ela não iria suportar. Primeiro atendida num hospital particular, o Esperança e depois transferida para o Hospital da Restauração. Fui visitá-la no dia 04, uma quarta. Me segurei para não chorar naquele lugar inóspito cheio de pessoas tão graves quanto ela pelos corredores, no chão, ela teve sorte de ter um leito e eu sou grato por isso. Com uma voz muito fraca ela pedia para não deixar ela morrer ali. Morrer naquele lugar de tanta dor e sofrimento seria um castigo que ela não merecia ter. Eu tinha tanta certeza que vovó Lau ia embora naquela quarta que eu tirei foto e fiz vídeo para deixar o registro dela ainda viva. Quando teve alta no dia seguinte me senti culpado por isso. 


 

05 de Agosto: Quando retornou do hospital vovó voltou ainda mais debilitada que antes e com um lado do corpo completamente paralisado. Nesse momento no meu egoísmo estava feliz que ela tinha retornado viva mas não tive sensibilidade suficiente para entender que era justamente o contrário. Vovó voltou tão fraca que não conseguia segurar o próprio tronco na cadeira de rodas. Ali ela já tinha morrido. Tem como ser feliz consciente (porque ela nunca deixou de ser consciente do próprio estado) e desse jeito? 

Daí para frente só ladeira abaixo porque ela começou a se negar a comer, a beber água e isso são necessidades básicas do ser humano. Cuspia tudo inclusive remédios. E como resultado foi piorando cada vez mais. Na sequência de fotos está dando para perceber né? Chegou um momento em que ela estava tão fraca, tão debilitada que no desespero teve que ser colocada uma sonda para ela se alimentar porque morrer seria questão de horas.                                                                     

Depois que colocou a sonda, vovó perdeu a humanidade, era apenas um corpo em cima da cama. Um corpo com expressões sofridas que em nada lembrava aquela mulher que saiu de Palmares e venceu as barreiras da fome, de um casamento abusivo e da perda de filhos. Aquela mulher tão forte foi reduzida a um corpo imóvel. Eu não sei explicar com palavras o quão doloroso foi ver ela assim. 
                                                                       
16 de Agosto: Passei o dia angustiado pensando em vovó e nem eu, nem mainha tínhamos planos de ir para Igarassu. Como estava se alimentando por sonda ela precisou da alimentação liquida e só tinha em um lugar especifico aqui em Recife compramos e fomos. De inicio eu não quis falar com vovó porque ela estava com um aspecto mórbido e também tinha muito sofrimento em volta, todo mundo que chegava lá chorava. Nesse dia vovó estava com muita secreção então teve que fazer aspiração em casa e aspiração é uma coisa muito invasiva e desconfortável, foi horrível presenciar isso. Dava para ver nas expressões quase que paralisadas que ela estava sentindo dor. Nesse momento eu tive a certeza que ela iria morrer se não naquele dia muito em breve. 

Quando todo mundo meio que deu uma trégua do quarto eu chamei minha prima Rafinha e peguei na mão de vovó. Eu disse a ela que ela podia ir porque foi muito amada, que nós amávamos ela e que estava tudo bem que ela poderia ir em paz e descansar. Nesse momento eu senti a mão dela apertar a minha, era o sinal. Já não tinha dúvida nenhuma que vovó ia partir e assim foi. 
No dia 17/08/2021 vovó encerrou seu ciclo na terra. 





 

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