MENTE INQUIETA

Mente inquieta

Esse blog existe desde março 2009 (o domínio antigo era jayetros.blogspot) e como estamos em 2021 isso significa que ele já tem 12 anos. 12 anos! Eu já fui muitas pessoas aqui, já quis ser muitas pessoas e ás vezes me pego lendo as postagens de um menino de 20 anos cheio de sonhos e traço um paralelo da pessoa que hoje me tornei e fico perguntando a mim mesmo o que o eu daquela época diria para o eu de hoje.

Bem, eu sou o Jay e atualmente tenho 33 anos. Sou fisioterapeuta formado e uma pessoa naturalmente inquieta, questionadora e barraqueira quando tem que ser. Nasci sob o signo de leão e talvez venha daí o meu ser temperamental e dramático. No futuro quando for mudar o layout pela milésima vez talvez essa descrição já seja outra. Num resumo bastante sucinto é isso.

domingo, 13 de março de 2022

In nomine patris

Eu não sei nem por onde começar para poder tocar nesse assunto porque ele envolve várias camadas e como qualquer coisa que envolve camadas se tratando em relações humanas é algo complexo, no meu caso (ainda é) perturbador.

Não tem maneira fácil de falar isso então eu vou ser direto: Meu pai morreu. Foi assim que eu soube e por uma mensagem de whatsapp.


O que se seguiu diante disso foi um filme terror: a noticia da morte, a ida até o local, o sofrimento das pessoas, a burocracia do velório, o enterro... A sensação que tive era de inércia, era como se estivesse chapado o tempo todo. Eu não tenho a imagem dele morto na cabeça, não quis vê-lo. Não saiu uma lágrima do meu rosto até hoje, meu pai morreu e eu fui incapaz de chorar a morte dele.



 

A última vez que nos encontramos foi perturbadora porque ali eu já sabia que ele iria morrer, de alguma forma senti e talvez por isso eu tenha ficado tão incomodado. Já debilitado ele pegou na minha mão com força e tentou me dizer algo que eu senti como um desculpa ou um eu te amo enquanto estávamos a sós, mas aquilo me incomodou tanto que chamei minha mãe. Nem nos últimos momentos de vida tive a capacidade de dar uma chance a ele. Isso é um pensamento que vive na minha cabeça como um looping. Tem dias em que me questiono muito a respeito do tipo de pessoa que sou, se sou uma pessoa ruim ou hipócrita. Durante o enterro eu não falei uma palavra e estava a todo tempo silencioso, sombrio enquanto via o caixão descer para debaixo da terra com uma pessoa que teve importância na minha vida. Eu pensei em toda nossa trajetória enquanto jogava uma rosa amarela no seu caixão. As pessoas devem ter me achado um monstro que não demonstra sentimentos, mas a vida me obrigou a ser forte, não gosto de demonstrar fraqueza ou vulnerabilidade. E assim... A opinião de quem quer que seja a meu respeito não me importa mais, já me importou muito, mas hoje em dia é irrelevante. 


 

A missa de sétimo dia foi outro rito que me deixou mal. Essas regras que a religião impõe nunca me deixam confortável e assim como no velório (que nunca vou) prestei a última homenagem ao homem responsável pela minha existência e eu desejo sinceramente que ele esteja em bom lugar. Ultimamente eu tenho pensado muito no meu pai sabe? Não como meus irmãos que pensam só em dinheiro e no que ele deixou de herança. Eu penso em algo mais profundo que é a lição que a vida quis me dar sendo filho dele e o que eu aprendi com isso, infelizmente não cheguei a uma conclusão.

Nós não tínhamos relação de afeto (não que eu me lembre), essa figura paterna protetora que normalmente uma criança se espelha eu não tenho recordação de ter tido. O que consigo lembrar do meu pai são muitos conflitos na adolescência e o afastamento natural que ocorre quando você percebe que a presença daquela pessoa é tóxica. Meu pai mentia muito (e durante um tempo eu reproduzi esse padrão) era viciado em jogatina a ponto de não ter dinheiro para comer ou se vestir com dignidade porque gastava a aposentadoria dele toda no jogo do bicho. Meu primeiro salario ele recebeu por mim, gastou e não me disse. Imagina eu adolescente trabalhando um mês na Habib´s levando tudo quanto era tipo de humilhação de cliente para não ter o direito nem de usufruir do próprio dinheiro, esses pequenos episódios aliados a descoberta da minha sexualidade dentro de uma família religiosa e opressora foram me afastando cada vez mais da relação de filho e pai. Eu nunca pude contar com ele para nada e muitas vezes tive até vergonha de ser filho dele. E eu também tive meus erros porque não estou aqui para me colocar no lugar de vítima, era respondão, impulsivo, debochado, tudo que eu não deveria ser com ele eu era.

Houve falta de compreensão, excesso de orgulho e muita mágoa da minha parte também porque por mais que eu tivesse todos esses conflitos que tinha com ele, da forma que ele sabia e conseguia ser ele me amou. Sempre soube disso embora não aceitasse.

Existe um hiato muito grande na relação da gente a partir do momento que ele se separa da minha mãe. Eu vou morar com ela e ele fica com meu irmão do meio, foi aí que de fato o distanciamento se fez. Alguns anos depois minha mãe se casa novamente, eu tenho problemas com meu padrasto porque ele na ausência dela praticava terror psicológico comigo e no dia em que surtei agredi ele e fui convidado a me retirar de casa (isso é uma falha da minha mãe que eu já perdoei mas ainda me dói muito lembrar dessa atitude dela, mas também não vou crucificá-la porque ela foi tão vitima quanto eu dessa relação abusiva ) passei um ano morando com meu pai.

A gente mal se via, eu vivia perambulando com o pessoal do teatro pelo mundo sem perspectiva de nada, só queria saber de beber, cheirar cocaína e me destruir. Ele nunca soube de nada disso porque a gente mal se via e quando calhava de estarmos em casa eu vivia trancado no quarto isso quando não passava dias a fio na casa dos outros. Quando passava uma semana ele sempre ligava para saber onde eu estava quando eu estava afim de atender eu respondia, quando não apenas desligava o telefone. Daí chegou o momento em que minha mãe se separou do crápula e eu voltei para casa e assim mais uma vez a gente se afastou. Segui minha vida e raramente via ele.

Como eu já mencionei nesse post ele tinha vicio em jogar no jogo do bicho e isso foi se intensificando cada vez mais até chegar num ponto em que ele teve que sair de Recife onde morava e deixar o apartamento onde ele estava com toda a mobília porque nem o aluguel ele pagava mais e já estava jurado até de morte. Ele foi morar na casa debaixo da casa da minha tia (a irmã dele) onde permaneceu até sua morte. 

Lá ele tinha um teto sempre limpo, roupa lavada, se alimentava bem e tinha liberdade de sair e chegar a hora que queria. Tudo correu assim durante uns anos até que veio o primeiro baque: Ele pegou um taxi no Recife e foi até Igarassu e quando chegou na casa dele disse que não tinha dinheiro para pagar obviamente o taxista deu uma surra nele e ele teve um AVC, o primeiro de vários. Com isso ele tinha dificuldade de fala, movimentos e tinha um certo tremor nas mãos que por um tempo eu achei até que fosse Parkinson. Seguiu assim por uns anos. 

Em 2021 ele desaparece por um dia o que era incomum e quando retorna estava na sarjeta nesse estado todo cheio de queimaduras


Desse momento em diante não saiu mais de casa, nunca disse o motivo de terem feito isso e a gente desconfia pelas características de tortura que podia ser a vingança de algum agiota. A verdade mesmo só ele sabe e levou para o tumulo. Com isso teve outro AVC e ficou ainda pior e com episódios constantes de incontinência urinaria. A marcha dele ficou comprometida e a força também porém ainda tinha alguma independência. No final do ano passado durante a noite ele deve ter se sentido mal e foi se levantar, se apoiou na geladeira, ela caiu por cima dele e ai mais um AVC e esse foi devastador porque o deixou acamado, sem movimentação de membros e de certa forma sem humanidade.

Foi nessa fase que fui vê-lo e teve o momento de apertar minha mão. Não voltei a visita-lo até o dia do seu falecimento. A família o via com frequência mas o meu orgulho me impediu de estar mais próximo dele nesse fim de vida. Hoje eu olho para trás e me arrependo de muita coisa que disse a ele, ao mesmo tempo em que penso que naquela época seria impossível ser de outra forma porque eu tinha vários conflitos internos e uma total falta de maturidade. Somos resultados de nossas escolhas, eu fiz as minhas então que eu arque com cada uma delas. Meu coração tá despedaçado, eu voltei a fumar que era um habito que tinha acabado há anos, não tenho motivação para nada e vejo o tempo passar e junto disso vem a tona meu fracasso cada vez mais eminente. Hoje sinceramente eu não me dou ao luxo nem de sonhar. 

Tem outras coisas ainda que quero falar sobre minha vida amorosa, planos, mas isso vem depois por hora estou vivendo meu luto a minha maneira. Essa semana recebi a visita de uma mariposa, ela pousou na cama da minha mãe enquanto eu arrumava a casa, existe toda uma simbologia sobre mariposas marrons e a morte inclusive que elas na verdade são os entes queridos que se foram recentemente. Rodrigo também recebeu. Quem sabe não foi meu pai? Vai saber...


Meu pai e a mãe dele ( minha amada e saudosa Vovó Toinha)
  

Bem... Por hoje é isso. 

Que o senhor tenha o recebido em toda sua misericórdia papai. 
Até um dia.


Nenhum comentário: